Doutor pela Universidade de Nottingham, pós-doutorando pela Universidade de Edimburgo e bolsista do Leverhulme Trust, Jason Porter esteve na USP em 29 de agosto de 2024 para uma palestra sobre as estratégias de escravização na Atenas Clássica, tema de seu próximo livro a ser publicado pela Edinburgh University Press, baseado em sua tese de doutorado. Porter tem publicado artigos e capítulos de livros sobre aspectos da escravidão ateniense e da escravidão grega antiga, frequentemente incorporando evidências comparativas em seus argumentos. Atualmente, trabalha em um projeto que utiliza novas ferramentas qualitativas e uma nova metodologia para tentar responder à questão do tamanho da população escravizada na Atenas clássica. Nesta entrevista concedida ao Blog antes de sua palestra na USP, Porter nos fala sobre sua trajetória acadêmica, seus interesses de pesquisa e sobre o tema da palestra.
Boa tarde, Doutor Porter. É um prazer tê-lo aqui conosco hoje. Primeiramente, você poderia nos contar sobre sua carreira e seus interesses de pesquisa?
Fiz meu doutorado na Universidade de Nottingham, na Inglaterra, onde fica o Instituto para o Estudo da Escravidão. A universidade tem uma longa tradição de estudo da escravidão, então, estando lá e com os supervisores que eu tinha, o estudo da escravidão antiga parecia uma progressão muito natural para minha carreira. Trabalhei especificamente com Stephen Hodkinson e Kostas Vlassopoulos, duas pessoas que escreveram bastante sobre a escravidão na Grécia Antiga e no Mundo Antigo de forma mais ampla. O que eu trabalhei predominantemente foi o conceito de “estratégias de escravidão”, sobre o qual acho que podemos falar em detalhes daqui a pouco. Mas terminei meu doutorado em 2019, estudei na University College Dublin por um ano depois disso e atualmente estou trabalhando em um projeto em Edimburgo que usa modelagem probabilística para tentar descobrir quantos escravos havia na Atenas Clássica, que foi uma questão que estudiosos mais antigos debateram ao longo dos anos. Então, sim, espero dar minha própria contribuição para essa questão de longa data. Estou me mudando para Creta em breve para trabalhar com meu antigo supervisor, Kostas Vlassopoulos. E é basicamente onde estou no momento.
Você cresceu em vários países africanos antes de se mudar para o Reino Unido. Como você acha que essa experiência única o influenciou em suas visões sobre o Mundo Grego Antigo e, mais especificamente, o antigo sistema escravista grego?
Essa é uma pergunta muito boa e já me foi feita algumas vezes. No tocante à inspiração para estudar História Antiga, eu diria, isso teve muito pouco impacto. Foram meus pais que se interessaram por isso e me deram livros para ler quando criança. Quando cresci na África, havia muito poucas oportunidades na escola, por exemplo, para que eu estudasse sociedades antigas. Porém, acho que com o tempo, enquanto eu tentava entender o Mundo Antigo, [percebi que] há semelhanças nas sociedades africanas em que vivi com a Grécia Antiga que não existem na Europa Antiga. Por exemplo, em relação à escravidão especificamente, eu tive muito pouco contato real com a escravidão em si. Mas o serviço doméstico é algo grande na África e a ideia de ter serviçais que moram na casa às vezes, ou trabalham lá com frequência, é algo com o qual cresci. Eu também tive muita experiência com formas mais tradicionais de pastoreio, de ovelhas e de vacas. E isso também é algo em que posso me basear. Então, foi uma boa experiência para expandir [meu conhecimento sobre] como as sociedades podem funcionar e ter alguma experiência pessoal com isso, mesmo que não estivesse diretamente relacionado à minha decisão de estudar História Antiga, como carreira.
Hoje você vai nos falar sobre estratégias diversas de escravidão na Atenas clássica. Devo confessar que estou intrigado com o conceito de “estratégias de escravidão”, sobre o qual você trabalhou em seu doutorado. Você pode nos contar um pouco mais sobre esse conceito?
Sim! Seria um prazer. Como você disse, venho trabalhando nisso há vários anos. Eu tenho um livro saindo no próximo ano sobre o assunto e a ideia é tentar estudar a escravidão não como uma entidade única per se, um único fenômeno que existiu na Grécia e depois ao longo da História, mas um que é muito diverso e que, dependendo especificamente dos usos aos quais os escravos que se destinam, varia consideravelmente também em termos de experiências escravas de escravidão. As oportunidades que eles têm de ganhar liberdade ou, em certas situações, acumular riqueza, a quantidade de violência a que estão sujeitos, esse tipo de coisa. Então, o que eu fiz no meu doutorado – e espero fazer no meu livro também – foi discernir entre os diferentes tipos de escravidão e, onde se observa a maior variação, as experiências de escravos; e o tipo de características da escravidão que – falo um pouco sobre isso na apresentação que estou prestes a fazer – são incrivelmente diversas, principalmente em Atenas. Então, parece um bom lugar para estudar como a escravidão pode ser diferente, por assim dizer.
Uma última pergunta. Você acha que os próprios escravos poderiam influenciar essas estratégias de alguma forma para mitigar sua condição?
Sim, eu tenho certeza. Eu acho que é uma pergunta muito perspicaz e uma consideração muito importante. Em particular, quando a ideia de estratégias de escravidão foi proposta pela primeira vez como metodologia, essa foi uma das principais críticas, certo? Se você adotar a perspectiva do senhor e entender a escravidão como algo que pode ser explicado pelas estratégias de posse de escravos dos proprietários de escravos, em vez dos escravos, você perde parte da História da Escravidão. Mas acho que sua pergunta indica uma ressalva importante para isso. As próprias estratégias são fortemente afetadas pelos escravos e é a agência dos escravos, sua capacidade de afetar o mundo ao seu redor, de barganhar em certas situações ou de resistir à escravidão quando apresentada a oportunidade... Isso significa que, em certas situações, você não pode aplicar, por exemplo, violência a eles, ou não tanto quanto em outras. Então, para escravos burocratas e trabalhadores escravos qualificados, é sua capacidade de resistir à escravidão e barganhar que forma essas estratégias. Estratégias para os escravos adquirirem riqueza, por exemplo, são mobilizadas por escravos que desempenham papéis importantes ou papéis qualificados. Por outro lado, em áreas em que os escravos são usados, que não exigem tanta habilidade, ou onde podem ser monitorados com mais facilidade, estratégias que usam a violência para motivá-los são muito mais comuns. Espero que isso faça sentido.
Quando você olha para o que impulsiona, digamos, privilégios concedidos a certos escravos e, novamente, essas formas de escravidão que permitem que os escravos adquiram mais privilégios ou adquiram sua liberdade, a motivação subjacente a isso é a agência dos escravos. E muitas vezes, há uma dinâmica de barganha de escravos com seus senhores por trás disso, apesar do desequilíbrio de poder que sempre existe nessa relação.
Entrevista e roteiro: Pedro Benedetti
Vídeo: Michele Santos
Foto: Julio Cesar Magalhães de Oliveira
Revisão: Julio Cesar Magalhães de Oliveira
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