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Cultura Popular na Antiguidade Clássica - 30 anos. Entrevista com Pedro Paulo Funari

Atualizado: 21 de set. de 2019

Publicado em 1989, o livro "Cultura Popular na Antiguidade Clássica" (editora Contexto), de Pedro Paulo A. Funari, hoje Professor Titular de História Antiga na UNICAMP, teve em sua época um impacto pouco comum. Rompendo com o eruditismo elitista até então característico da disciplina, o livro foi um marco na renovação da História Antiga no Brasil, no momento da redemocratização do país, e um ponto de inflexão decisivo na constituição de uma tradição especificamente brasileira de estudo sobre os grupos subalternos na Antiguidade. Em comemoração aos 30 anos de sua publicação, realizamos esta entrevista com o autor acerca do contexto de publicação da obra, seu formato e a perspectiva atual dos estudos dos grupos subalternos para a Antiguidade.



O livro Cultura Popular na Antiguidade foi publicado em 1989. Qual era a situação dos estudos clássicos na época e como o livro dialogou com esses estudos? O processo de redemocratização pelo qual o Brasil passava exerceu alguma influência sobre a escrita do livro? Se sim, em que sentido?


Olha, em 89 o Brasil estava saindo do período ditatorial e mesmo o mundo estava em transformação, digamos assim, com a abertura, com a Perestroika, Glasnost na União Soviética que acabaria com o sistema. Então era um momento muito específico de lutas pelas liberdades no mundo em geral e particular na América Latina e no Brasil. Então esse foi um aspecto importante do contexto político para que eu me debruçasse sobre o tema. Os estudos clássicos, a história antiga, muito conservadores naquela ocasião, até aquela ocasião muito conservadores, então me parece que o influxo que vinha de áreas afins principalmente de outros períodos históricos foi determinante, porque nós tínhamos já cultura popular na Idade Média, cultura popular na Idade Moderna publicado por outros autores do estrangeiro, então a minha iniciativa ela se deu mais nesse contexto de se estão se propondo a estudar isso em outros períodos históricos convém, pode ser feito, um estudo sobre a Antiguidade. Então foi dessa maneira que eu cheguei e ao mesmo tempo na ligação com a política brasileira, seguramente essa questão da luta pela democratização da qual eu já havia participado de uma série de outras ações acadêmicas, universitárias desde o início da década de 80.


Para apresentar e discutir o tema da cultura popular na antiguidade, algo novo para a época, você escolheu o formato de divulgação. Você pode nos dizer mais a respeito da razão dessa escolha, bem como a recepção que ela teve na academia?


Eu acho que a questão do formato de divulgação, primeiro, depende um pouco das minhas propensões. Eu gosto, sempre gostei de atingir um público amplo. Principalmente, são os alunos, de graduação, de pós-graduação e o público culto em geral. Então, acho que isso tem um lado pessoal, mas existe um lado social importante que era o fato de que na década de 70 e 80, principalmente 80, nós tivemos uma generalização das coleções de divulgação científica em geral, mas especialmente das Ciências Humanas: coleções como Tudo é História, coleção Princípios, a coleção justamente da Editora Contexto que estava sendo lançada, quer dizer, visavam a fazer com que os alunos do colegial, do que hoje seria o ensino médio, tivessem acesso, aprofundamentos sobre tudo, em particular nas Ciências Humanas e na História muito especificamente. Então, estava em um contexto, digamos assim, histórico muito concreto que era essa ideia de que autores brasileiros deveriam, poderiam, produzir livros para o público universitário e principalmente para o público do ensino médio e, ao mesmo tempo, pelo fato de que eu achava isso realmente relevante, porque é muito importante que uma pessoa tenha, em poucas páginas, uma introdução a um tema. Porque, para chegar a um livro mais aprofundado, exigirá outras leituras. Então, tem que haver uma introdução, eu sempre achei que isso era uma coisa importante.

O livro Cultura Popular na Antiguidade não enuncia uma definição fechada do que seria a cultura popular, no entanto, podemos rastrear alguns indícios conceituais como a noção de que a cultura popular não é um reflexo da cultura erudita e que tanto a cultura popular quanto a erudita possuem contradições internas e devem ser entendidas em suas características intrínsecas e particulares. No que se refere às fontes, o livro recorre, sobretudo, aos grafites como forma de compreender a cultura popular. De lá para cá, sua visão acerca do conceito mudou? E quais outros documentos e recursos teríamos para estudar os grupos subalternos além dos grafites?


Olha, eu acho muito importante a ideia que naquela ocasião estava desenvolvendo que era de que, da especificidade da cultura popular não ser simplesmente uma imitação, uma mimese, da cultura erudita, que era uma tendência, é uma tendência mais ou menos natural, a ideia de que o povo sempre segue de alguma maneira o erudito ou o dominante. Então, essa foi uma ideia que eu acho, já havia, já estava bem disseminada e que eu apliquei e continuo considerando muito válida. Em seguida, ainda nessa mesma linha, por que dos grafites, está ligado ao fato que é uma produção direta, quer dizer, não necessariamente do povo, do povo mais simples porque não se sabe em que medida uma pessoa que escrevesse na parede, uma pessoa seria simples, mas eu digo que teriam muitas pessoas que seriam analfabetas, a maioria seguramente, que não escreviam mas de qualquer maneira, são pessoas que escreviam em uma linguagem bem diferente daquela erudita, então é um acesso direto a um aspecto simbólico, aspecto subjetivo, que são as informações do que as pessoas escreviam fora do âmbito da elite local. Então esse é um objetivo; a segunda característica dessa fonte, e que me liga a essa terceira questão, que é a questão do que eu acho que hoje já tem sido feito, pode ser feito, que é o fato de usar a cultura material, quer dizer os grafites, por uma fortuna, por um acaso, foram muito bem preservados em Pompeia, então nós temos uma quantidade de informações que de outros sítios nós não temos mais, então é uma informação direta que não passou pelo crivo dos copistas medievais da tradição textual então o que tem sido feito, o que tem sido proposto, e acho que tem um futuro muito grande, é o estudo das classes subalternas a partir da evidência material porque antigamente, até recentemente, as escavações elas centravam muito nos grandes monumentos, na grande estatuária e eu acho que o instrumento doméstico que são todos aqueles objetos do uso cotidiano que são os jogos, as telhas, as ânforas, e também os edifícios agrícolas estão ai para serem estudados não só do ponto de vista tipológico como é feito muito mas pode também ser usado do ponto de vista sociológico, do ponto de vista social, então quer dizer aonde viviam os escravos? Eles viviam junto com os patrões, na mesma casa, mas em que lugar da casa? E coisas desse tipo eu acho que há um campo que já está sendo desenvolvido e que tem uma perspectiva muito grande porque o arqueólogo agora, o historiador, ele está observando evidências que antes passavam despercebidas.


Como você vê os estudos em História Antiga sobre os grupos subalternos na atualidade?


Na atualidade, creio que houve um crescimento muito grande desse campo, se antes se concentrava principalmente em períodos posteriores como eu já disse final da Idade Média, Modernidade, depois no período Contemporâneo que superavam em muita informação sobre a cultura popular, é, no que se refere a Antiguidade, pela dificuldade de acesso e pela tradição de se estudar pelas fontes eruditas, fontes literárias, tradição literária, tradição textual, eu acho que isso tardou para se desenvolver mas hoje nós temos um desenvolvimento muito grande no mundo, quer dizer, em diversos países e tradições isso tem se desenvolvido principalmente por meio de novas abordagens, além de fontes originais como podem ser tanto os grafites quanto como eu disse a cultura material mas também novas abordagens, leitura a contrapelo das fontes escritas, agora no Brasil especificamente, eu acho que esse campo é excepcional pelo fato de que ele encontrou um terreno fértil, eu acho que o terreno fértil aqui são as contradições da sociedade brasileira, quer dizer, como nós vivemos em situações conflitivas, o Brasil é uma das sociedades mais desiguais do mundo, então significa que você tem um terreno fértil para a reflexão sobre os subalternos como na Índia também, em um outro contexto e talvez um pouco diferente porque não tem uma ligação tão forte com a tradição clássica, mas no nosso caso eu acho que isso tem permitido o desenvolvimento muito grande e eu sou muito otimista porque eu vejo em muitos jovens interesse pelo tema sem descuidar da tradição literária, sem descuidar do conhecimento, digamos assim, erudito, mas também se aproximando dos mais humildes.


Vídeo e entrevista: Juliana Marques Morais, Nara Oliveira e Pedro Benedetti.

Narração: Juliana Marques Morais

Edição: Nara Oliveira.




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