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Os populares no jogo político: o que nos indicam os grafites de Pompeia?

Atualizado: 17 de ago. de 2021

Por Lourdes M. G. Conde Feitosa, Unisagrado.


Pompeia, via dell'Abbondanza. Parede externa de uma taberna com anúncios pintados e grafites. Foto: Julio Cesar Magalhães de Oliveira, 2019.

A expressão “jogo político” nos remete, comumente, às ações de escolher ou ser escolhido em uma disputa eleitoral. Mas se um homem ou mulher não possuir a cidadania política, como chamamos, participa ela do jogo? O fato de não votar ou ser votado/a a descarta da jogada? Uma resposta positiva, em princípio óbvia, ganha complexidade quando analisamos os grafites das paredes da Pompeia Romana do século I d.C. Nela, milhares de escritos foram encontrados em muros, edifícios públicos, tabernas, locais de trabalho, casas, ou seja, em quase todos os espaços disponíveis nas paredes da cidade.

Esses registros eram feitos por populares. Como sabemos disso? As características do texto mostram que o latim usado estava longe das regras gramaticais da norma culta da época. Se para alguns o seu aprendizado era fruto dos poucos anos passados nos bancos escolares, para outros era resultado da labuta cotidiana, do contato com imigrantes, com o comércio, com a prestação do serviço militar e dos momentos de lazer em que ouviam declamações de poesias e leituras de livros nas representações dos circulatores em vias públicas.

São nítidas as distinções entre o latim erudito e o popular. Este, mais flexível, era aberto às influências regionais, como aconteceu em Pompeia ao misturar-se ao Osco. A sequência das palavras registradas também era mais próxima à fala cotidiana e a sua escrita nas paredes duras dificultava a elaboração das letras, a precisão do traçado e de sua reelaboração, bem diferente da grafia suave e bem direcionada produzida pela pena. Ainda, os grafites representavam um intenso “diálogo” comunitário no qual as pessoas manifestavam, livremente, suas opiniões, recados, ofensas, saudações e apoios a candidatos políticos, diferente dos textos aristocráticos, manuscritos em papiros que, reproduzidos , alcançavam diferentes públicos do mundo romano.

Quem eram estes populares e como interpretar suas manifestações de apoio a candidatos políticos? A indicação mais comum destes é a sua condição de trabalhador. Por meio dos grafites, essas pessoas referenciavam os ofícios e associações profissionais aos quais pertenciam, como proprietários de pequenas tabernas, oficinas e padarias; atividades independentes na função de professor, alfaiate, vendedor de roupas e joias; além de inúmeras associações de trabalhadores como as dos pomari [vendedores de frutas], muliones [cocheiros], aurifices [ourives], pistori [padeiros], lignari [lenhadores], aliarii [vendedores de alho], galinarii [vendedores de aves], fullones [pisoeiros], unguentari [perfumistas], culinari [ajudantes de cozinha], caupones [taberneiros] e agricolae [trabalhadores agrícolas].


Destes, pouco se sabe de suas diferenças estatutárias, ou seja, se eram livres, libertos ou escravos, mas os nomes citados nos mostram aspectos de sua composição social. Caprasia e Nymphio, Felix, Fuscus e Vaccula, Losimio, Hermes, Iphigenia, Hilario, Narcissus, Fortunatus e Anthusa, Aegle, Maria e Pollia (grafias preservadas no original) sinalizam apenas o seu cognome e não o da família, distante dos tria nomina - prenome (praenomen), nome de família (nomen) e o cognome (cognomen ou epíteto) - característicos dos ingenui aristocráticos; e a origem estrangeira de vários deles - grega, judaica, árabe, “oriental”. Todos eles de procedência humilde.

Durante o Principado, nem todos os homens livres eram cidadãos e mesmo dentre estes livres havia distinções entre a cidadania com pleno direito - ciues Romani, daquela com direitos parciais - ius Latii. Neste quadro complexo de particularidades jurídicas, pesos variados interferiam na valorização da dignitas de homens livres e nas condições de libertos e escravos, fazendo com que as sensíveis e reais diferenças entre os grupos sociais não se detivessem na origem estatutária, mas fossem frutos das relações de opressão e exploração originárias da base escravista que vigorava.

São estas referências encontradas em centenas de registros de apoio às campanhas políticas dos dois cargos administrativos escolhidos anualmente em Pompeia: dois Duúnviros e dois Edis. Estes se dedicavam ao ordo decurionum (conselho local responsável pela administração da justiça, das finanças, abastecimento de alimentos, construções e manutenção da ordem pública). Para ocupar estes cargos, o requisito era ser cidadão, ter recursos financeiros e uma profissão honrosa, diferente das citadas acima.


Vejamos alguns exemplos, provavelmente elaborados poucos anos antes da cidade ser coberta pela erupção do Vesúvio no ano de 79:

1) Modestum aed(ilem)

[unguen]tari et pauper[es] facite

Perfumistas e pobres pedem que elejam Modesto para edil.

2) M(arcum) Enium Sabinum

aed(ilem) pomari rog(ant)

(CIL IV 180)

Os vendedores de fruta rogam para edil

Marco Enio Sabino.


3) C. Cvspivm Pansam aed d r p ovf

Satvrninvs cvm discentes rog

(CIL, IV, 275)

O professor Saturnino, com os seus alunos indicam Caio Cuspio Pansam para o cargo de edil.


4) L. Albucium aed

Thesmus libert rog


L. Albúcio para edil. O liberto Thesmo pede.

5) Paquium  IIvir(um)  o(ro)  f(aciatis)

Cerialis  rog(at)      

Cerialo roga para que Paquio seja eleito como duúnviro.

6) A(ulum)  Vettium  Firmum  aed(ilem)  o(ro)  v(os)  f(aciatis)

Fuscus  cum  Vaccula  facit      

Fusco e Vaculla indicam para edil Aulo Vettio Firmo.

7) Fuscum aed(ilem)

Iphigenia facit 

(CIL IV 457)

Ifigênia indica Fusco para edil.


8) Secundum

aed(ilem)  Pherusa  rog(at)       

Ferusa roga para que Secundo seja eleito edil.

9) A(ulum) Vettium Firmum

aed(ilem) o(ro) v(os) f(aciatis) dign(um) est

una et vicini o(ro) v(os) f(aciatis)             

Caprasia cum Nymphio rog(at) una et vicini

Peço que façam edil a A. Vétio Firmo, pois é digno do cargo. Caprasia com Ninfio e os vizinhos pedem que o façam (edil).

Esses grafites evidenciam o apoio de trabalhadores, homens e mulheres que colocam a serviço de seu candidato o seu apoio e, principalmente, uma rede de relações pessoais razoavelmente expandida, mesmo sem nele poderem votar. Atitude que nos faz refletir que mais importante do que ter o título eleitoral talvez possa ser a participação ativa na comunidade por meio de opiniões, discussões políticas e atenção às propostas daqueles que cuidarão dos bens coletivos. Tags: #Pompeia #grafites #anúncios #eleições #política #populares

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