Por Renata Senna Garraffoni, Universidade Federal do Paraná.
Se eu iniciasse esse texto perguntando: havia crianças entre os romanos do passado? Certamente os leitores e as leitoras responderiam que sim. Mas se eu mudasse um pouco a pergunta para: o que você sabe sobre as crianças romanas? Provavelmente nada ou, então, muito pouco, não é verdade? Então, como se explica isso? A questão é que perguntas sobre o passado dependem muito dos interesses do presente. Durante muito tempo o que interessou para o estudo do mundo romano foram os homens poderosos, assim, muitas parcelas da sociedade se tornaram pouco conhecidas.
Em outra oportunidade escrevi por aqui sobre as mudanças na historiografia e como foi preciso muita luta das classistas para que as mulheres de diferentes origens e camadas da população romanas fossem estudadas. Se hoje temos muitos estudos sobre elas, é porque conhecer a diversidade e pluralidade de pessoas que compuseram o mundo romano tornou-se importante para compreendermos melhor o passado antigo. Com relação às crianças, ocorre algo semelhante: aos poucos foram se tornando sujeitos a serem pesquisados. Parte da historiografia sobre mulheres, por exemplo, discute maternidade, então, entender o ciclo de vida – do nascimento à morte – passou a integrar algumas preocupações de quem estuda vida cotidiana mais recentemente.
Mary Harlow e Ray Laurence têm algumas considerações interessantes sobre o tema no livro Growing up and growing old in Ancient Rome – A life course approach. Argumentam que nascimento, crescimento, envelhecimento e a morte são temas complexos, mas podem ser analisados de maneira interligada, embora nem sempre se faça isso. Para que isso ocorra é preciso uma mudança de olhar: há documentos para sabermos sobre as etapas da vida entre os romanos, pois é possível encontrar reflexões na literatura, na legislação e, do ponto de vista da cultura material, túmulos e lápides funerárias são ricos em informações. No entanto, os poucos estudos que foram feitos focam na busca por estatísticas sobre nascimento e morte, pelas relações políticas e descendências familiares e sua relação com o poder, ou seja, enfatizam o biológico e as prováveis árvores genealógicas. Nesse sentido, o grande desafio para os autores está na elaboração de modelos interpretativos que ultrapassem o senso comum da biologia sobre envelhecimento, morte e genealogia e que reflitam sobre os cursos da vida romana inseridos em um contexto histórico, social e cultural.
Essas considerações sempre me chamaram a atenção e, em 2008/2009, quando tive a oportunidade de trabalhar com Laurence em um projeto, escrevemos sobre os grafites de Pompeia e como podem nos ajudar a encontrar, por exemplo, crianças pela cidade. O artigo “Writing in Public space from child to adult: the meaning of graffiti” faz uma análise mais ampla da importância dos grafites para estudar pessoas que nem sempre aparecem na historiografia e analisa vários casos. Sobre as crianças, em particular, consideramos a questão da alfabetização, pois para escrever pelas paredes, teriam que dominar as letras. Assim, tratamos, em uma parte do texto, dos abecedários. Há muitos abecedários espalhados pela cidade de Pompeia em que as crianças gravavam ABCD... ou uma combinação alternada entre começo e fim (AXBVCTDSER...), ou seja, treinavam as letras. Há em colunas das casas, em edifícios públicos, na grande palestra, no teatro e até um no banho público. Mas a maior concentração está mesmo nas ruas, o que corrobora com passagens da literatura em que se afirma que as crianças treinam as letras nos muros e nas esquinas.
O que esse tipo de dado pode nos fornecer sobre a vida das crianças? Sabemos pouco sobre como as escolas romanas funcionavam, mas sabemos que entre os povos da Antiguidade, os romanos foram os que mais nos deixaram inscrições e de diferentes modos. Então, esse tipo de grafite indica duas coisas importantes: como em parte se dava o treino das crianças com as letras e, também, por onde elas circulavam nas cidades. Sim, observar os espaços de escrita de abecedários acaba alterando nossa percepção de vida urbana, pois muitas vezes em lugares que imaginávamos somente a presença de adultos, como os edifícios públicos, passamos a encontrar indícios da presença de crianças, tornando esses espaços múltiplos. É um meio diferente de se aproximar das crianças diante do fato dos abecedários serem anônimos, mas expressa um método para chegar até elas: sempre é preciso estar atentos a sua presença e juntar uma série de evidências desde os textos, leis, como lápides e inscrições para conhecê-las melhor.
Embora eu tenha participado de uma parte do projeto com Laurence que resultou nessa publicação que mencionei, como curso de vida é uma área em que dedicou parte de sua carreira, ao juntar elementos sobre a vida das crianças, ele participou da realização de uma animação sobre como seria, provavelmente, um dia na vida de uma menina romana, chamada pela equipe de Domitia. Se quiserem conhecê-la, vejam o vídeo abaixo (Four sisters in Ancient Rome, por Ray Laurence) ou acessem o projeto TED-Ed.
Por fim, vale dizer que, embora o mundo romano seja muito estudado, há temas que ainda hoje nos desafiam. Conhecer um pouco mais sobre as crianças romanas pode nos trazer surpresas e novos dados, por isso, as pesquisas não podem parar, mas renovar nossas percepções sobre o passado antigo!
gOSTEI DEMAIS DESSE ARTGO SOBRE AS CRIANÇAS ROMANAS. PARAB ÉNS JULIO CESAR.